Quando eu era pequena minha mãe sempre fazia bolo de cenoura; daqueles feitos com o legume cru, uma xicara de óleo, alguns ovos e uma xicara de açúcar, e eu ficava ali parada, esperando o liquidificador parar para saborear aquele doce líquido nas pontas dos meus dedos antes dele ser incorporado em algumas xicaras de farinha. Enquanto o cheiro do assado não se espalhava, ela já preparava a calda com manteiga, leite e achocolatado, e mais uma vez lá estava eu queimando as mãos por não esperar a panela esfriar para provar aquela delícia. Verdadeiramente paciência nunca foi uma das minhas qualidades.
Com o bolo ainda quente e a calda amolecida – o pulo do gato da crocancia da calda era esperar ela esfriar – eu corria pegar a faca e cortar os pedaços quadriculadamente – meio tortos diga-se de passagem – e sair correndo com no mínimo dois deles nas mãos espalhando migalhas pela casa toda.
Como foi incrível minha infância, corríamos descalços nas enxurradas, sentávamo-nos nas sarjetas e quando caia a bola dentro do bueiro, sempre tirávamos par ou ímpar para ver que enfiaria os braços naquela meleca. Não tínhamos notícias de doenças, de estupro, de roubos, os velhinhos na praça eram sempre chamados de vozinhos, e os professores o máximo que aguentavam era a falação da classe.
Hoje quase não vemos mais bolos de cenouras como os de antigamente; ou porque óleo vem da soja e soja é transgênica ou porque ficou fácil demais comprar aquelas massas prontas que estão dispostas nas prateleiras dos mercados.
Das lembranças dos meus 10 anos, vejo que pouco se assemelha com as dos meus filhos, tudo foi mudando tão drasticamente, que mesmo que eu tentasse dar a eles um pouco do que aquela menina de pés descalços viveu, eles não aceitariam. As necessidades são outras, os estímulos são outros, a realidade nua e crua os absorveu. Poucas são as crianças que tem em suas cabeceiras livros de contos de fadas, lápis de cores e papéis para desenhar, pois o desenho no tablet ficou mais divertido e ter as historias prontas numa tela passou a ser mais legal do que imaginar, e sem imaginação não há questionamentos, sem questionamentos não há criticas e sem criticas não há opiniões, e o resultado que observamos desta subtração é uma sociedade cada vez mais manipulável, que não come bolo de cenoura mas se alimenta de ração.
Por DANI RAPHAEL
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